A Morte, mesmo no sentido de
“mudança”, é difícil de aceitar!
Mesmo que a Morte no Tarô nos
traga notícias de mudanças de contexto em nossa vida cotidiana, e por mais que
desejemos essas mudanças durante muito tempo, é difícil aceitá-la,
pois somos criaturas de hábitos. Quando finalmente conseguimos alcançar a tão
almejada mudança, pranteamos o que estamos deixando para trás. Então, neste
contexto, morte é desapego.
Igualmente é difícil nos
desapegarmos das partes desgastadas da nossa psique. Os alquimistas reconheciam
esse estado e para eles, a Morte simbolizava a necessidade de afrouxar a
identificação com o corpo. A recusa a cooperar com o desmembramento do nosso eu
desgastado cria uma paralisação completa no fluxo da vida, que redunda em morte
espiritual.
Segundo Edward Edinger, “O
desmembramento pode ser compreendido psicologicamente como um processo
transformativo, que divide um conteúdo inconsciente original para finalidades
de assimilação consciente.” Jung explicou que esse comportamento de negar a transformação,
o autoconhecimento, pode até ocasionar a morte física.
Jung falou dos caminhos
alternativos que escolhemos na tentativa de evitarmos reconhecer que a
transformação se faz necessária. Por outro lado, a morte é sedutora e por vezes
pode nos oferecer, inconsciente ou conscientemente, a saída, a resolução para
nosso dilema, movendo-nos a uma desatenção que pode nos tornar propensos a
acidentes, por exemplo.
Em outros casos, essa distração
pode nos tornar descuidados com a saúde e obesos, conduzindo-nos a um suicídio
mais sincero, nas palavras de Jung. Se o desejo de matar a sombra, nosso lado
problemático e não raro rejeitado por nós mesmos, se tornar opressor, poderá
resultar em autodestruição - morte.
Existem diversas maneiras sutis
de nos suicidarmos, tanto física como espiritualmente. Se não conseguirmos
aceitar mudanças, ou se não conseguirmos administrar as tensões às quais
podemos ser submetidos no dia-a-dia, esforçando-nos para nos enquadrarmos em
padrões cediços e que não correspondem aos nossos anseios e necessidades
internas, a morte poderá aparecer em forma de ataque cardíaco, derrame ou
qualquer outro mal súbito. Como Jung explicou, a Natureza encontra inúmeros
modos de apagar uma existência sem sentido.
Quando perguntaram para
Krishnamurti o que acontece depois da morte, ele respondeu: “Saberei quando lá
chegar. Por enquanto, não preciso saber.” Perguntaram-lhe como se preparava
para a morte. Ele replicou: “Todos os dias morro um pouco.”
Podemos temer a morte e
repudiá-la, mas durante a nossa peregrinação pela Terra, nos depararemos com
ela inúmeras vezes. E em cada experiência, teremos uma reação diferente, única,
que, no entanto, nos fará meditar sobre nossa existência e o caminho que
escolhemos para nós nesta vida. Até que finalmente, um dia teremos a nossa
experiência pessoal com esta ilustre figura.
No caso de optarmos por
encararmos a morte ao longo de nossa existência, aceitando-a como processo
natural da vida, sem dúvida, a transformaremos em uma experiência espiritual.
Assumindo esta conexão entre
transformação profunda e renascimento após a morte, diversas tribos antigas praticavam,
e algumas ainda praticam, rituais de passagem da infância para a vida adulta
nos quais o iniciado deveria literalmente enfrentar a morte.
Às vezes, era abandonado na
floresta densa e escura, tendo que retornar sozinho para casa; outras a
transição exigia que a criança se lançasse das alturas de uma torre de madeira,
presa por uma corda de fibra amarrada em um pé, para chegar no chão como um
homem. Esses são alguns rituais, existem muitos outros.
Nas tradições de Magia não era
e não é diferente. Como o iniciado pode conhecer verdadeiramente a vida sem
vislumbrar o que é a morte? Afinal, vivemos em um mundo de dualidades. Só nos
reconhecemos felizes quando ficamos tristes, e assim por diante.
Jung acentuou a idéia de que
viver a vida plenamente é a maneira natural de abordar a morte. Analisou os
sonhos de centenas de pessoas idosas e descobriu que o inconsciente dos que se
aproximam da morte não fala sobre o final da vida, ao contrário, os sonhos
parecem continuar, como a dizer que a própria vida continuará. A resposta de
Jung sobre como devíamos nos preparar para a morte é que devemos continuar a
viver como se a vida continuasse para sempre.
Edgar Herzog, na sua obra Psyche and Death, explorou
minuciosamente as origens dos dois enfoques básicos da morte: o científico e o
religioso. Segundo sua tese, o confronto do homem com a morte física pode ter fornecido
o primeiro impulso para a ciência e para a religião, pois a capacidade de se
horrizar com a morte de outra pessoa é uma das principais características que
distinguem os seres humanos dos animais. A primeira reação do homem primitivo,
e do que em nós ainda existe de primitivo, é fugir da vista de um cadáver,
reação não característica nos outros animais. Esse horror diante de um cadáver,
difere do medo específico da morte em si.
Herzog aventou a hipótese de
esse sentimento de horror, caracterizando a reação como “horror do
incompreensível”, em contraste com “o medo do específico”, foi, provavelmente,
a primeira experiência humana do “totalmente inacessível”. Para estabelecer um
acordo com esse “totalmente inacessível”, o homem expandiu sua consciência em
duas direções: a da religião, para ajudá-lo a aceitar a morte, e a da ciência,
que encontra os fatos da morte e tenta controlá-los.
Cabe ao tarólogo observar, com
a ajuda da sua intuição, dos arcanos menores e do contexto do jogo, sobre o que
se trata, mas principalmente, é preciso primeiro quebrar os próprio
preconceitos sobre este arquétipo, para então poder ajudar os outros a fazê-lo. Afinal,
o fluxo da vida segue o princípio da impermanência:
IMPERMANÊNCIA
“A
vida é como um piquenique em uma tarde de domingo... ela não dura muito tempo.
Só olhar o sol, sentir o perfume das flores ou respirar o ar puro já é uma
alegria. Mas se tudo o que fazemos é ficar discutindo onde pôr a toalha, quem
vai sentar em que canto, quem vai ficar com o peito ou a coxa do frango..., que
desperdício! Mais cedo ou mais tarde o tempo fecha, a tarde cai e o piquenique
acaba. E tudo o que fizemos foi ficar discutindo e implicando uns com os
outros. Pense em tudo que se perdeu.”
“Você
pode estar se perguntando: se tudo é impermanente, se nada dura, como pode
alguém viver feliz? É verdade que não podemos, de fato, agarrar ou nos segurar
às coisas, mas podemos usar esse conhecimento para olhar a vida de modo
diferente, como uma oportunidade muito breve e rara. Se trouxermos à nossa vida
a maturidade de saber que tudo é impermanente, vamos ver que nossas
experiências serão mais ricas, nossos relacionamentos mais sinceros, e teremos
maior apreciação por tudo aquilo que já desfrutamos."
"Também
seremos mais pacientes. Vamos compreender que, por pior que as coisas possam
parecer no momento, as circunstâncias infelizes não podem durar. Teremos a
sensação de que seremos capazes de suportá-las até que passem. E com maior
paciência seremos mais delicados com as pessoas a nossa volta. Não é tão difícil
manifestar um gesto amoroso quando nos damos conta de que talvez nunca mais
estaremos com a nossa tia-avó. Por que não deixá-la feliz? Por que não dispor
de tempo para ouvir todas aquelas histórias antigas?"
"Chegar
à compreensão da impermanência e ao desejo autêntico de fazer os outros felizes
nesta breve oportunidade que temos juntos, constitui o começo da verdadeira
prática espiritual. É esse tipo de sinceridade que efetivamente catalisa a
transformação em nossa mente e em nosso ser."
"Não
precisamos raspar a cabeça nem usar vestes especiais. Não precisamos sair de
casa nem dormir em uma cama de pedras. A prática espiritual não requer
condições austeras.... apenas um bom coração e a maturidade de compreender a
impermanência."
"Isso
nos fará progredir."
Chagdud
Tulku Rinpoche, em "Portões da Prática Budista” (texto fornecido
por Henrique Terra)
Fábula “Encontro em Samarra”:
“Um criado topou com a Morte,
uma velha encarquilhada de vestido preto, na praça do mercado, e viu-a fazer o
que lhe pareceu um gesto de ameaça. Aterrado, o criado toma emprestado o cavalo
do amo e foge para Samarra. Na mesma tarde, topando com a velha na praça do
mercado, o amo pergunta-lhe: ‘Por que fez um gesto de ameça para o meu criado
hoje cedo?’ E a morte replica: ‘Não foi um gesto de ameaça: foi apenas um
movimento de surpresa. Fiquei espantada ao ver o seu criado em Bagdá, visto que
eu tinha um encontro com ele, hoje à noite, em Samarra.’”
A
deusa que há mim saúda a deusa ou o deus que há em você!
Lady Mirian Black